sábado, 12 de setembro de 2009

Reporter conta em detalhes como realizou a investigação que denunciou suposta rede de lavagem de dinheiro da Igreja Universal


Formada em jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, a repórter especial da Folha Elvira Lobato investigou durante um mês a ligação entre a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e as empresas …

Formada em jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, a repórter especial da Folha Elvira Lobato investigou durante um mês a ligação entre a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e as empresas Investholding e Cableinvest, ambas sediadas em paraísos fiscais.

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O resultado das apurações foi publicado pela Folha de S.Paulo na reportagem “Record tem firmas em paraísos fiscais”, em 18 de julho de 1999.

Foi a partir de uma denúncia anônima que as suspeitas surgiram. Um pacote com cópias de 75 contratos foi endereçado à redação do jornal. À época, Elvira trabalhava na Sucursal do Rio de Janeiro. Um dia, Josias de Souza, então Secretário de Redação da Folha, ligou para informá-la que iria enviar alguns documentos aos seus cuidados. ” [Ele] Disse que desconhecia a procedência deles, pois tinham sido enviados ao jornal em envelope com endereço e nome de remetente falsos, mas que parceria ser ‘coisa quente’”, conta no livro “Instinto de Repórter” (Publifolha, 2005).

Os documentos eram cópias de contratos de empréstimo concedidos a seis integrantes da igreja –Alba Maria Silva da Costa, Claudemir Mendonça de Andrade, José Fernando Passos Costa, José Antônio Alves Xavier, Márcio de Araújo Lima e João Monteiro de Castro dos Santos–pela Investholding, sediada nas Ilhas Cayman, e pela Cableinvest, localizada na ilha de Jersey, no Canal da Mancha.

O desafio da jornalista foi provar a autenticidade dos documentos e comprovar o vínculo entre as empresas e pessoas da cúpula da Igreja Universal. “Conseguir comprovar a existência de uma empresa em um paraíso fiscal é muito difícil, já que, normalmente, não há rastros destas empresas no Brasil. Elas não costumam ter registro em juntas comerciais nem em cartórios. Mas com apuração, acabei comprovando isso”, afirma em entrevista à Livraria da Folha.

A apuração da denúncia contra a IURD foi criteriosa e detalhada. Elvira chegou a entrar em contato com o delegado Matheus Cândido Martins –responsável pelo inquérito da Polícia Federal que investigava a origem dos recursos usados na compra da TV Record do Rio e de São Paulo e apurava a acusação de remessa ilegal de divisas para o exterior– para ter acesso a declarações de Imposto de Renda dos envolvidos, realizou extensas pesquisas em cartórios e conseguiu cópias de boletos de operações de câmbio no Uruguai, onde os dólares foram trocados por moeda brasileira.

Para conseguir as cópias dos boletos, a repórter se passou por advogada. “Neste caso, eu me apresentei como advogada, pois não havia outra forma de conseguir uma informação vital. Estes recursos, que eu chamo de métodos poucos ortodoxos de apuração, se justificam quando o assunto tem relevância pública”, justifica.

Após apurar informações em São Paulo, Montevidéu e Rio de Janeiro, Lobato constatou na reportagem que a Universal tinha empresas em paraísos fiscais que bancavam parte de seus investimentos através da lavagem de dinheiro. Segundo a matéria, “as duas empresas remeteram pelo menos US$ 18 milhões para o Brasil, entre 1992 e 1994″. “A TV Record do Rio foi paga com ‘empréstimos’ dessas empresas”, concluiu.

O ESQUEMA

No texto, a jornalista denunciou o funcionamento da rede de lavagem de dinheiro, que, segundo o Ministério Público de São Paulo, é formada pelo bispo Edir Macedo e por outros membros da Igreja.

“Provavelmente era dinheiro proveniente de doações de fiéis que tinha sido mandado para o exterior por doleiros e que retornava para o país como se fosse investimento estrangeiro. Esta é uma forma conhecida de ‘esquentar’ recursos de origem suspeita (como caixa dois e propinas) ou não declarados ao fisco”, explica em “Instinto de Repórter”.

Entre os membros da igreja citados na matéria estão os bispos Honorilton Gonçalves, João Batista Ramos, Marcelo Crivella e Sérgio Von Helde, conhecido por chutar a imagem de Nossa Senhora Aparecida na TV.

INSTINTO DE REPÓRTER

No livro editado pela Publifolha, a jornalista conta os bastidores das suas grandes reportagens investigativas, entre elas esta que, na época, resultou na reabertura do caso na Polícia Federal, após determinação do então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro.

No capítulo “A Igreja Universal e os Paraísos Fiscais”, a jornalista narra detalhadamente como realizou pesquisas de informações em cartórios, procurou os sócios compradores da Record, utilizou a internet para obter mais provas e as consequências da reportagem.

Quando questionada sobre a principal característica de um repórter investigativo, Lobato diz que “primeiramente, ele precisa ser curioso. O repórter que não é curioso não vai desconfiar que existe alguma coisa errada por trás de uma aparente normalidade”. Além da curiosidade, a jornalista diz que o profissional precisa ser preparado. “Essas apurações só são possíveis quando você tem um conhecimento profundo sobre o assunto tratado”, determina.

AÇÕES

Com a publicação da reportagem “Universal chega aos 30 anos com império empresarial” (íntegra disponível para assinantes do UOL e do jornal), também escrita por Elvira Lobato e veiculada na Folha em 15 de dezembro de 2007, a jornalista recebu o Prêmio Esso. Porém, fiéis da igreja de diversos municípios do país, entraram com 107 ações judiciais contra a repórter e a Empresa Folha da Manhã, que edita a Folha. Os fiéis pediam indenização por danos morais, alegando que se sentiram ofendidos com a reportagem, embora nenhum deles tenha sido citado.

As 84 ações julgadas até o momento tiveram sentenças favoráveis à Folha. Restam 23 ações pendentes de julgamento.

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